sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Algo

* *
Porque não escrevo?
Porque não vejo?
Porque não sinto?
Porque?...

Não escrevo porque não quero.
Porque palavras lev’as o vento
E o que está escrito é eterno,
Porque a efemeridade é o alento!

Não escrevo por medo,
Não verei por vontade?
Dos olhos revelo a alma
Que te dou a cada olhar,
Sem a poder dar a mais ninguém,
Dou a quem não a pode amar!

(Palavras vãs as recito
Num presente que voa,
E de entre tudo o que fito,
Fito sempre o que não perdoa.)

Que pavor a querer
Tudo o que não mereço;
Que ódio a ser
Sempre o que não conheço…

Porém inspiro e vivo,
E escrevo, e sinto e vejo;
Apenas não escrevi o que fitei,
Nem senti a vida que sobejo…

E então, se de ser e corpo
O mundo vi,
Foi de alma e coração
Que morri!

Que ódio, que ruína,
Que vontade e que fraqueza,

Que sonho maldito,
E a negra tristeza…

Desse céu enfeitado
Pela quietude tumular
De tempo parado,
Vem essa doce brisa
De vento salgado,
Que trás da morte, a vida,
De um querer afogado...


sábado, 29 de novembro de 2008

À monotonia do mundo

Finta as lágrimas,
Abre as asas, voa e desaparece!
Vai em direcção ao desconhecido,
Guia-te pelo que parece
Perigoso, e jamais pelo inofensivo.

(Que bom seria encontrar
Tudo aquilo que não nos pertence
E que tudo isso pudéssemos roubar…)

Estou cansado…
Não de correr,
Mas cansado de estar parado.
Farto de ser lançado
Na minha própria sina de morrer amarrado
A injúrias e ódios de um querer
Único e triste como um fado,
Criado pela arrogância de viver
Mais contrafeito que contentado,
Num mundo de sorrisos falseados…

Ave ao vinho, ao dinheiro e às putas!
Ave a vós, santíssima trindade!
Que o bode sagrado a abençoe,
E que um dia pereçamos na nossa própria maldade!
Ámen



quinta-feira, 4 de setembro de 2008

pequenos versos

1º - ___

Os pensamentos fazem da minha cabeça um remoinho
Que se lança e balança sugando-se a si próprio,
Na ânsia de alguma resposta encontrar.
Responder a quê? Não o sei. Sozinho
Neste trilho de falsos pastores afundo-me no ócio
Da coragem afogar: para nada ter de voltar a tentar.


2º - Calai-vos!

Odeio-vos a todos!
Odeio o céu e a terra,
Odeio Deus e o Diabo.
Odeio-te a ti: vida que erra
Em cada fôlego que não te finda
E em cada passo que não te encerra.


3º - ___

A chuva banha o caminho
Que rasgo a passos largos,
Na fúria da música que não oiço
E que não me deixa parar.

Da chuva que cai,
Que continua a cair,
E que cairá sem cessar.

4º -

Nada do que quero é,
Nada do que sinto se transcende,
Tudo é vil e desajeitado,
Todo o verso é precário,
E cada palavra um atentado
À beleza que sobejo.

Beleza, essa, que não passa
D’um triste trapo esfarrapado,
Esperando paciente
Pela hora de ser rasgado,
Perdido e esquecido,
Num mundo demasiado remendado.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Alegria das sombras

Tristemente adocicado
É o meu virtuoso estado
De a todos fazer
Compreender o errado.

Troco o certo pelo acertado,
Mostro o laço
Para esconder o acorrentado…
Bailo na dança
Do coração estropiado,
Morrendo a cada passo
Por mais um sonho inalcançado.

Minha vida resumo a um
Patético conto inacabado
Inscrito no epitáfio
Do caixão sepultado:
Aqui jaz verme miserável
Cujo sonho nunca passou d’uma ilusão,
Preso à verdade incontornável
Que em seu corpo bateu morto um coração.

Mas eis que morto foi por todos relembrado.
São eles todos demónios enfeitiçados
Pelo fedor de corpo amortalhado
Que ainda respira,
Mas não passa já
De um pedaço de chão
Por todos pisado.


Doces linhas...


Risco uma e outra linha,
Palavra atrás de palavra,
E sem rumo ou objectivo,
Largo tudo o que me trava.

E tanto melhor sabe
Vagueando ao sabor do vento,
Gravando outra e outra frase;
Escrevendo como quem foge,
Fugindo do que não sabe…

E se desisto ou vou parar,
Não quero saber!
Primeiro há que avançar
Rumo ao que não se pode saber
Deste marinheiro que não quer navegar
(Não por medo de se perder,
Mas medo de deixar de respirar).

Por fim tudo se resume a poder.
Se não posso, se devo,
Ou se o melhor é nem ver…
Não interessa, tudo escrevo!
Sendo tudo isso viver…